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Meias Austríacas, Mãe de Santo e Muita Coragem: A Busca por Autenticidade

Laboratório do Ser - Edição #001

A menina de meias austríacas

Quem sou eu sem essas meias?

Quando eu tinha uns 10 anos eu gostava de passar as férias em São Paulo. Meus pais são cariocas, mas como só tinha primos homens de ambos os lados da família, achava chato ir para o Rio.

Em São Paulo estavam as minhas primas de terceiro grau e era para cá que eu gostava de vir.

Eu morava em Viena, na Áustria. Era muito tímida e gostava de me vestir com roupas austríacas típicas, chamadas de Dirndl. Sabe... aqueles meiões até os joelhos, vestidinho florido com avental branco por cima, tranças no cabelo.

As meias compridas (Lederhosen) eram um acessório imprescindível. Usava as meias até com sandálias. Não as tirava.

Cheguei no Brasil, em pleno verão, usando shorts, camiseta e... meias austríacas. Em dias especiais não podia faltar o Dirndl, com avental e tudo.

Eu me sentia bem, vestida dessa forma. Era natural. Conhecido. Seguro.

Para uma menina introvertida como eu, que havia mudado de país a cada três anos e foi obrigada a reconstruir incontáveis vezes a sua vida do absoluto zero, a ideia de controlar o que quer que fosse era inebriante. Por isso me agarrava às meias com tanto afinco.

Claro que eu percebia que no Brasil as meninas da minha idade não se vestiam assim. Mas, não me incomodava ser diferente.

Até que um dia os meus primos paulistas, provavelmente envergonhados porque tinham que sair comigo na rua vestida de mini austríaca sendo que nem olhos azuis eu tenho, começaram a pedir que eu abaixasse as meias.

Eles riam, zombavam, agarravam as meias e puxavam para baixo. Minha prima, mais delicada, me deu meias novas de presente, ou me emprestou as suas, não lembro bem. Mas, eu não queria usar. Não era eu.

Ainda indignados, meus primos continuavam tirando sarro. Lembro de ter me sentido triste, humilhada. Eu não tirava as meias, mesmo no calor de 40 graus. Me sentia vulnerável sem elas.

As chacotas continuaram e eu, toda manhã, acordava e colocava as meias, numa mistura de raiva e obstinação. Só que a cada dia eu tinha menos brilho, menos orgulho das minhas meias austríacas.

Lembro do exato momento em que olhei para as minhas meias e me senti envergonhada. Naquele instante algo se perdeu: a magia de simplesmente ser quem eu queria ser.

Pela primeira vez lembro de ter tido vergonha de mim por não me enquadrar no que os outros queriam que eu fosse.

Hoje, mais de trinta anos depois, fico aqui pensando quantas vezes me curvei ou me dobrei para assumir formas que não eram minhas.

Quantas vezes eu quis usar as minhas “meias austríacas” e não usei por medo de não pertencer.

Quantas vezes me adequei a padrões e situações que não me cabiam, só porque meus pais, ou meus amigos, ou a sociedade esperavam aquilo de mim.

Me formei em finanças e marketing pela New York University porque eu não sabia qual caminho seguir e administração de empresas tinha "potencial".

Depois fui trabalhar em Wall Street, em um banco de investimento porque me daria status e dinheiro e isso também é “bem visto”. Terminei tendo um burnout (mas isso é assunto para outra edição).

Por dentro, a minha menina austríaca, rejeitada e maltratada, esperava pacientemente com suas meias na mão.

Demorou um pouco, mas um dia nos reencontramos em uma meditação. Neste dia ela me contou que tinha um sonho: queria sair por aí novamente, com as suas meias, sem se importar com o que os outros iram fazer, pensar ou dizer.

Coloquei-a no colo e, com os olhos cheios de lágrimas, vesti as minhas meias, que há muitos e muitos anos eu havia abandonado. Senti ela sorrir em meus braços quando as meias couberam perfeitamente. Fui invadida pela sua gargalhada quando me arrisquei a dar os primeiros passos rumo a mim mesma.

Sua verdade continua reverberando em mim.

"Seja você mesmo; todos os outros já estão sendo tomados."

Oscar Wilde

Ser original em um mundo de cópias.

A raiz da palavra autenticidade é o grego autos, ou "si", que tem uma relação próxima com “autor” e “autoridade”. Segundo Gabor Maté, ser autêntica é “honrar uma noção de si advinda de uma essência própria e genuína, conectar-se a esse GPS interno e usá-lo para orientar-se.”

Assim como a Brené Brown, eu sempre achei que autenticidade era uma qualidade inata do ser humano. Ou você era autêntica e dona de si, ou era inautêntica e estava fadada a copiar os outros.

Com o tempo, percebi que autenticidade não é uma qualidade que temos ou deixamos de ter. Ser autêntica é uma escolha consciente. Todos os dias você deve escolher como quer viver.

Ser autêntica é ser verdadeira com os outros, mas principalmente com você mesma, com os seus valores, suas crenças, sua forma de enxergar a vida.

Precisamos urgentemente falar sobre autenticidade. Ser original em um mundo de cópias é um dos maiores desafios da sociedade contemporânea.

O rolê aqui na Terra anda muito zoado. O mundo quer ditar quantos quilos você tem que pesar, que roupa tem que vestir, qual maquiagem você deve usar, em que tipo de casa você tem que morar e qual viagem você tem que fazer para parecer que você “tem sucesso”.

A internet, com sua cultura de positividade tóxica e as “vidas perfeitas” estampadas no Instagram, só contribuiu para aumentar a régua de comparação entre as pessoas, principalmente entre as mulheres. Em uma busca desenfreada para se “encaixar” dentro de modelos irreais, terminamos “abaixando as nossas meias”.

Você olha para as mulheres no Instagram e parece que é tudo mais do mesmo. O que estão te dizendo:

  • Você precisa ostentar

  • Você precisa passar batom vermelho e fazer unboxing da bolsa da Chanel para inspirar outras mulheres

  • Você precisa viajar para Dubai e tirar fotos femininas sensuais nas dunas ao entardecer com uma taça de champanhe na mão

  • Você precisa usar um terninho de cor forte, de preferência verde limão

  • Você precisa malhar, acordar já maquiada e bem disposta, pronta para aparecer nos stories com um belo sorriso no rosto

  • Você precisa ser a mãe perfeita, que prepara lanchinhos orgânicos e ajuda em todas as lições de casa, além de colocar todos para dormir pontualmente às 19h para respeitar o ciclo circadiano

  • É claro que depois disso tudo você terá uma noite incrível de amor e cumplicidade com seu marido engraçado, elegante e bem sucedido

  • Você precisa estar sempre plena, mesmo em meio ao caos.

Só de escrever a lista me deu preguiça.

O que acontece quando você, reles mortal, não atinge todos esses padrões? Você se sente culpada.

Analisando sob a perspectiva feminina, a culpa tem um impacto devastador na autoestima e no bem-estar das mulheres.

Culpa e exaustão: o cemitério da autenticidade

O Dr. David Hawkings, através de uma técnica chamada de cinesiologia pesquisou e categorizou o que chamou de anatomia da consciência humana, conforme o gráfico abaixo:

Hawkins dedicou suas pesquisas a mostrar que de acordo com a escala acima, existem níveis de consciência (acima de 200 Hz) que promovem um estado de expansão do ser: abertura para novas possibilidades, crescimento pessoal e felicidade.

Por outro lado, toda vibração abaixo de 200 Hz é um estado de contração do ser, marcado por uma perspectiva limitada e uma tendência a padrões de pensamento negativos.

Observe que a culpa é o segundo pior nível de consciência humana, calibrado em 30 Hz. A culpa paralisa. Ela cristaliza em nosso corpo e mente e nos impede de avançar, destruindo sonhos, projetos, metas e a vida que queremos construir.

A culpa de não ser suficiente é o gatilho que nos leva à busca pela perfeição e a tentarmos nos encaixar em um mundo que exige cada vez mais de nós. Terminamos exaustas. A exaustão é o cemitério da autenticidade.

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante

Ser autêntica é deixar ir todas essas expectativas de quem você deveria ser para simplesmente ser quem você é.

Aprendi com a Brené Brown que isso implica:

  1. Ter a coragem de ser imperfeita

  2. Estabelecer limites

  3. Se mostrar vulnerável

Chega uma hora em que você vai ter que escolher: ser autêntica ou ser amada.

Quando você escolhe ser verdadeira e autêntica, você sai da sua zona de conforto, porque vai desagradar muita gente.

Em um mundo cada vez mais polarizado, as pessoas se escondem atrás de telas e de perfis falsos nas redes sociais para criticar os outros de forma anônima e cruel. Não consigo pensar em nada tão covarde (e menos autêntico) do que os comentários lacradores de alguns haters que não tem mais o que fazer da vida.

É importante lembrar que a crueldade sempre machuca, mesmo quando as críticas são descabidas. Aprendi que quem julga e critica os outros está sempre preocupado com o seu próprio pertencimento.

Somos muito mais leais do que livres

O ser humano tem, por natureza, uma necessidade de pertencer, de fazer parte de um determinado grupo social.

O desejo intrínseco por pertencimento tem sua origem na pré-história, onde o homem percebeu que criar vínculos e pertencer à tribo oferecia uma maior proteção contra predadores. Naquela época, se você não fosse aceito pelo grupo, havia uma alta probabilidade de morrer de fome ou ser comido por mamute.

As pessoas e espécies que sobreviveram foram justamente aquelas que criaram laços.

Você percebe quão forte é o impacto do sentido de pertencimento na sua vida?

Se você é mãe, talvez julgue e critique as mulheres que optam por não ter filhos. Se você é esportista, pode julgar e criticar quem é sedentário. Tudo em nome do pertencimento.

Toda vez que julgamos ou criticamos alguém, estamos, na verdade, tentando proteger os nossos valores, a nossa forma de olhar para a vida, o nosso pertencimento às crenças que herdamos.

Por isso, somos muito mais leais do que livres.

Se você for como eu, a escolha de ser autêntica pode te parecer assustadora. Você assume um risco quando assume a sua verdade para o mundo.

Mas, eu acredito que existe um risco ainda maior em esconder os seus dons e talentos dos outros.

Tentar se encaixar pode levar à depressão, ansiedade, vícios, culpa, raiva, tristeza e um vazio inexplicável que te tira até a vontade de estar vivo. No fim das contas é muito melhor ser uma versão inacabada de você mesma do que ser a cópia de outra pessoa.

Andrea, você virou mãe de santo?

Como eu contei, eu deixei uma carreira bem sucedida no mercado corporativo para me tornar consteladora familiar. Meu Instagram só tinha minha família e amigos e comecei a postar sobre o que eu vinha estudando.

Não criei um Instagram novo porque eu acredito que pessoas compram pessoas (não é necessariamente só sobre o seu produto/serviço). Até hoje atendo pessoas que trabalharam comigo na Vivo e em outras empresas, então foi uma decisão acertada.

Daí um dia meu tio querido, o tio Cláudio, me liga e fala: “Andrea, você virou mãe de santo?"

Dei a maior risada e respondi: “É… tipo isso."

Ele riu também.

Depois de alguns meses ele me mandou esse Whatsapp:

Meu tio passou a acompanhar minhas postagens. Comentava, incentivava. Nos aproximamos mais.

Ele sempre foi meu tio preferido, carioca, casado com a irmã do meu pai.

Em 2021 ele pegou covid e nunca mais foi o mesmo. Ele já era fumante e teve um câncer de pulmão agressivo que se espalhou em poucos meses. Tio Cláudio faleceu de câncer no mesmo dia em que recebi a resposta de que eu estava curada.

Cláudio Valério Teixeira, meu tio, artista plástico, restaurador e crítico de arte

Tenho certeza que tem um dedo dele no fato de eu continuar por aqui. Afinal sobrevivi a um câncer de mama agressivo, chamado HER-2 positivo (mas isso é assunto para a Edição #002 da Newsletter).

Com certeza tio Cláudio barganhou com Deus: deixa a "mãe de santo” mais um pouco por essas bandas.

E assim cheguei a 3 conclusões:

1 - Sua família não paga os seus boletos. Seja quem precisa ser.

2 - Você é adulta e não criança e é 100% responsável pela sua vida. A vida que você está vivendo não é a vida que você quer? Mude. Você não precisa da autorização dos seus pais nem de mais ninguém.

3 - E o mais importante: Quem disse que não é você que veio para mudar o olhar da sua família??

"A coragem de seguir o próprio coração e intuição é o que nos torna genuinamente autênticos."

Steve Jobs

📚 O que estou lendo: O Mito do Normal: Trauma, Saúde e Cura em um Mundo Doente - Gabor Maté

🎥 O que estou assistindo: Segunda temporada de The Bear - Star +

💃🏻 O que estou tentando aprender: Sacred Dance e Tênis

🎵 O que estou ouvindo: Sim - Sandy

🤓 O que estou estudando: Como criar Webinários para rodar no perpétuo e Como criar uma Newsletter de Sucesso com Henrique Carvalho e Marco Enes

Na próxima edição #002

  • Na próxima edição vou falar sobre câncer de mama e como passar por uma doença grave mudou o rumo da minha vida (e do meu negócio)

Até a próxima edição do Laboratório do Ser.

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✍️ Escrita por Andrea Felicio compartilhando experiências pessoais ao redor dos temas: Mentalidade, Mulheres e Marketing

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