• Andrea Felicio
  • Posts
  • Mesmo que eu não saiba como, sim: uma conversa aberta sobre a dor do luto

Mesmo que eu não saiba como, sim: uma conversa aberta sobre a dor do luto

Laboratório do ser - Edição #006

Pensei seriamente em adiar minha newsletter semanal, mas decidi seguir adiante. Esta edição é escrita para mim mesma, mais do que para qualquer outra pessoa.

Embora eu tenha prometido escrever sobre "Como Descobrir os Seus Dons e Talentos," vou adiar esse tema para a próxima edição.

O que compartilho hoje vem do fundo do meu coração.

A pior notícia

Semana passada no Rio de Janeiro.

Abri o Instagram e me deparei com a foto da minha querida amiga e ao lado da foto: missa de sétimo dia da Cris (alterei o seu nome para preservá-la).

A notícia me atingiu com força. Levei algum tempo para processar, e por impulso, peguei meu celular e enviei uma mensagem para ela: “Cris, está tudo bem com você?"

Incrédula, abri o Instagram novamente, esperando que talvez eu tivesse imaginado aquilo tudo. Afinal, ela tinha apenas 50 anos.

Mas a realidade era inegável. A foto era dela mesmo.

Envergonhada, apaguei o whatsapp que perguntava se ela estava bem e, em vez disso, escrevi para o marido dela: “Estou em choque. Preciso falar com você, o que aconteceu?"

Minutos depois, ele respondeu: “Há três meses a Cris vinha lutando bravamente contra uma depressão clínica severa (depressão refratária) com psicose. Chegou a ser internada duas vezes, mas infelizmente a doença dela não respondia aos tratamentos. O próximo passo seria tentar Electro Convulsive Therapy - dar choques nela para que ela entrasse em convulsão e tentar resgatá-la desse buraco de coelho da Alice. Infelizmente ela perdeu a batalha."

Tirou a própria vida.

Fiquei sem palavras, com um nó na garganta.

Como assim?????

Olhei pela janela e vi as ondas arrebentando na praia de Copacabana.

Desabei na cama do hotel, com o corpo trêmulo. As lágrimas escorriam pelo meu rosto como se quisessem sair pela varanda do Emiliano e transformar minha tristeza em mar.

Laços de uma vida

Minha amizade com a Cris começou quando eu tinha 15 anos e ela 18. Frequentávamos a mesma escola em Brasília, e embora não fôssemos amigas naquela época, lembro-me de admirá-la por ser mais velha e fazer parte do grupo “popular” da escola.

Nos reencontramos quando fui trabalhar no Rio de Janeiro, 11 anos depois. Cheguei meio sem jeito, buscando um lugar para me encaixar na equipe. Ao lado dela, havia uma mesa vazia. Nos olhamos, sem nos reconhecer de imediato, e logo engatamos num papo. A Cris adorava falar. Falava pelos cotovelos.

Não demorou muito para a ficha cair. A gente já se conhecia e não era de nenhum lugar do Rio de Janeiro. Ficamos amigas instantaneamente.

Cris era uma daquelas amigas que a gente conta nos dedos. Sempre presente, cuidadosa, preocupada. Ela era divertida, alegre. Como eu adorava ouvir a sua risada e suas histórias intermináveis.

Certa vez ela chegou no escritório e disse: “Estou ficando velha. Estou com 30 anos. Preciso ter filhos logo.”

Talvez ela já soubesse que a passagem dela por aqui seria curta.

Na época me pareceu engraçado, já que eu tinha 27 e não estava me achando nada velha. Brinquei dizendo: “Trinta anos não é velha e pelo menos você já é casada. Eu tô aqui solteira e só arrumo cara que não presta.”

Ela retrucou: “Eu me achando velha e você dizendo que tem dedo podre. Formamos uma bela dupla.” Rimos juntas, com aquela cumplicidade de amigas de colégio. Parecíamos ter 15 e 18 anos novamente.

Pouco depois, ela engravidou da primeira filha. Participei das festinhas de aniversário, das primeiras palavras e dos primeiros passos que a filhinha dela deu. Ganhei um imã com a foto delas no Club Med que decorou minha geladeira por anos.

O tempo voou, e lá estava eu, apresentando mais um daqueles caras que eram verdadeiros desastres, com quem acabei presa em um relacionamento tóxico e abusivo que durou cinco anos. Mas, adivinha quem sempre esteve ao meu lado, como uma âncora nas tempestades da vida? Ela, a Cris. Ela estava lá, sempre disposta a tomar um chopp gelado depois do trabalho para ouvir minhas histórias malucas.

Chegou o dia em que parti do Rio de Janeiro rumo a São Paulo, com um convite da Vivo para liderar a área de televisão deles. Para minha alegria e surpresa, não demorou muito para a Cris também decidir se mudar para cá.

Nossa, você não faz ideia da minha felicidade quando eu soube que ela estava a caminho de São Paulo. Foi como se o Universo estivesse conspirando a nosso favor. Você também tem uma amiga assim?

A vida continuou. Ela teve outra filha e eu casei com meu grego, encerrando o ciclo de relacionamentos tóxicos. Tivemos a Lara e a Helena. Ela participou das festinhas de aniversário, das primeiras palavras e dos primeiros passos que minhas filhas deram.

Um pouco antes da pandemia, a Cris se mudou para os Estados Unidos, extremamente feliz por voltar ao país onde fez faculdade e MBA.

A vida em São Paulo tinha trazido seus desafios para a Cris. Ela enfrentou com coragem um câncer de mama e alguns assaltos à mão armada, onde chegaram a atirar no carro dela (ela escapou por pouco!).

Na superfície, ela continuava a Cris de sempre: alegre, presente e falante. Nossa, como ela gostava de falar. Agora, ao olhar para trás, percebo que por trás de sua aparente confiança, ela estava sempre vigilante e preocupada. Alerta.

Perdemos o contato diário, mas sempre nos falávamos nos nossos aniversários, quando compartilhávamos nossas conquistas e desafios.

O destino, por vezes, prega algumas peças: em Janeiro de 2021 foi a minha vez de ter câncer de mama. A Cris me ligou preocupada e me contou da sua própria experiência. Seus recados semanais abraçavam a minha alma e me enchiam de esperança para enfrentar a doença. Seu carinho foi essencial para que eu pudesse enfrentar com força a doença e me curar.

Três meses antes de tirar a própria vida, ela me mandou um recado dizendo que tinha deixado o emprego. Na minha inocência, achei o máximo e falei: “Que bom que você deixou o mundo corporativo. Aquela vida estava te fazendo mal. Eu resolvi empreender e me encontrei. Quem sabe você não me ajuda a levar a Editora Saberes para os Estados Unidos?"

Ela respondeu que estava exausta e precisava descansar. Não me atentei ao verdadeiro significado de suas palavras. Eu não sabia que ela estava doente. Eu não sabia da depressão clínica. Eu não sabia da psicose.

Eu não sabia.

Ela tentou entrar em contato comigo mais duas vezes depois depois disso. Ambas as vezes eu estava ocupada, em meio à minha correria. Na primeira vez, eu estava em um evento de marketing digital e prometi ligar quando eu tivesse uma brecha. Acabei esquecendo.

Na segunda vez, eu estava de férias com a família grega e disse a ela que ligaria quando eles fossem embora. Ela respondeu: “Sem pressa”. Não liguei. Foi a última vez que falei com ela.

Como lidar com a perda?

Alguns optam por afastar-se da vida, dizendo que nunca mais se importarão com nada, uma vez que perderam tudo…mas isso apenas contrai o coração.

O coração está destinado a amar. É o que ele sabe fazer. Se você o priva do amor, ele atrofia.

Então o que você pode amar sem o medo da perda? A sua essência e a essência daqueles que partiram.

A natureza nos ensina muito sobre a perda. Quando você contempla um lindo pôr do sol, não se apega à sua forma, porque sabe que terá apenas 45 segundos para apreciá-lo antes que ele desapareça no horizonte. Mesmo que você tente segurá-lo com toda sua força, não poderá impedir o sol de se pôr.

Da mesma forma, não há como impedir que a folha verde se torne avermelhada e caia no outono.

Então, é preciso entender que o que nós amávamos não era a forma daquela pessoa. Não é seu corpo. Se ela envelhecesse, você continuaria amando-a, não é mesmo?

O que amamos é a sua essência, e a essência perdura. A conexão e o amor compartilhados ainda existem, porque estão dentro de você.

Sinta isso.

Não é fácil, eu sei. Aqui precisamos de uma palavra: CORA-GEM. A raiz da palavra coragem vem do francês “coeur”, que significa coração. Portanto, a coragem é, essencialmente, manter o coração aberto.

A coragem torna-se a única opção. Não se trata de “como lidar com isso", mas de encontrar a força dentro de você para lidar com isso, mesmo que não saiba como. Ao preencher seu coração de coragem, saberá que ainda há muito amor e outras estações para viver nesta vida.

Aos poucos confiamos novamente no Universo e sentimos o amor que permeia tudo e que permanece em nós, mesmo quando a forma já se foi.

Adaptação de um trecho do livro Satsang de Sadhvi Saraswati.

A Importância dos Rituais de Luto

A dor do luto vem em ondas. Cheguei na minha sessão de terapia nesta sexta-feira embalada em profunda tristeza. Um recado do marido da Cris foi um lembrete doloroso da perda e trouxe à tona uma enxurrada de emoções que eu vinha tentando esconder de mim mesma.

Com gentileza, a minha psicóloga sugeriu que eu desse espaço para tudo que eu estava sentindo: a impotência, a raiva, a tristeza e a culpa. Foi então que ela sugeriu que realizássemos um ritual de despedida para me abrir à dor encapsulada neste processo de luto.

Imagem do “Obon", no Japão

Os rituais de luto e despedida desempenham um papel significativo na maneira como as culturas ao redor do mundo enfrentam a perda. Cada cultura possui suas próprias tradições, fornecendo estruturas que auxiliam na compreensão e na aceitação do luto. Esses rituais podem variar amplamente, mas todos eles buscam criar um espaço onde o luto possa ocorrer.

Em algumas culturas, rituais incluem funerais elaborados, como o "Dia dos Mortos" no México, onde as famílias constroem altares ornamentados para seus entes queridos falecidos e preparam refeições especiais. Na tradição judaica, o "Shivá" é um período de sete dias de luto durante o qual amigos e familiares visitam a casa do enlutado. Outros rituais envolvem acender velas, como o "Obon" no Japão, onde lanternas flutuantes iluminam rios para guiar as almas dos mortos de volta ao mundo espiritual.

Em algumas partes do Sul dos Estados Unidos, existe a tradição das "jazz funerals," onde o luto é expresso através da música e da dança durante os cortejos fúnebres. Esses rituais diversificados demonstram a riqueza da humanidade na maneira como encaramos a perda e honramos aqueles que já se foram.

Aproveito para recomendar um filme emocionante e profundamente sistêmico que ilustra a importância das lealdades sistêmicas e do Dia dos Mortos. Viva, a Vida é uma festa transmite a ideia de que, se não honrarmos a memória dos antepassados, eles desaparecerão. O filme deixa claro como o esquecimento e a exclusão de qualquer membro do sistema familiar terão repercussões para todos, uma vez que todos têm o direito de pertencer.

Mesmo que eu não saiba como, SIM

Meu ritual de despedida na terapia foi sistêmico e quero deixá-lo aqui para que você utilize esse recurso toda vez que precisar de apoio e conforto.

Comecei imaginando a Cris na minha frente. Só de trazer sua imagem, as lágrimas escorreram abundantemente, inundando o meu ser.

Com a voz trêmula e carregada de emoção, comecei a me despedir.

Cris, eu sinto muito. Eu não sabia. Você esteve lá para mim e eu não pude estar para você porque eu simplesmente não sabia.

Por favor me perdoe. Eu não posso voltar no tempo, mas gostaria de ter prestado mais atenção aos sinais.

Eu te amo.

Sou muito grata por tudo que vivemos juntas. Vou levar você no meu coração por toda a eternidade.

Fiz algumas vezes este ho’oponopono, não somente para a Cris, mas também para mim.

Eu sinto muito. Por favor me perdoe. Eu te amo. Sou grata.

Coloquei a música Thank You da Carrie Grossman e ouvi em silêncio enquanto as lágrimas encheram o meu coração, encharcando a minha blusa de algodão fino, como gotas de chuva sobre a terra árida.

Ao final, repeti em voz alta:

Mesmo que eu não entenda por quê, sim.

Mesmo que seja muito difícil para mim, sim.

Mesmo com dor, sim.

Mesmo com culpa, sim.

Mesmo que eu não saiba como, sim.

Abri espaço para a dor. Deixei que ela me atravessasse, com toda a sua potência.

Até breve Cris. Minha querida amiga. Sinto a sua falta. Logo mais a gente se encontra.

Se você quer a lua, não se esconda da noite. Se você quer uma rosa, não fuja dos espinhos. Se você quer amor, não se esconda de si mesma.

Rumi

Sim à vida

A realidade nem sempre atende aos nossos desejos. Ninguém deseja passar pelo luto, mas se nos abrirmos para a dor, ela pode nos trazer compreensões profundas.

Talvez a gente até precise das nossas dificuldades. Elas suavizam o ego.

Dizer sim à vida é, portanto, abraçar o inabraçável. É mergulhar na dor avassaladora que nos acomete nas situações difíceis.

Significa abrir espaço para essa dor, com todas suas nuances, e render-se a ela, reconhecendo que ela também contém elementos de vida.

Envolve acolher a sombra. É sentir toda a raiva, a tristeza, a culpa e permitir que todas essas emoções também façam parte do processo.

Dizer sim ou não diante das questões cruciais da vida é decisivo para o nosso bem-estar e força. Há coisas que simplesmente não estão em nossas mãos.

O “sim” surge de uma atitude humilde diante da realidade. Nesse sim há uma sensação de rendição. O “SIM” tem uma frequência que cura.

Assentir vs Aceitar

Dizer “eu aceito” não é o mesmo que se render. Na aceitação há um elemento de escolha, onde EU sou o protagonista, decidindo o que incluir ou excluir. Na rendição, o personagem principal não sou eu. O personagem principal é A REALIDADE, exatamente como ela é.

Viver o momento presente é, por si só, um ato de concordância com a vida.

Coisas paradas fedem.

Quando as coisas estão em movimento, elas não são um problema, elas são uma experiência.

Me despeço com a letra de uma música que eu amo: Paciência, de Lenine.

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para
A vida não para não

A vida não para não

A vida é tão rara

Nos encontraremos na próxima Edição do Laboratório do Ser, prontos para abraçar a vida em toda sua complexidade e beleza! Até breve meus amores.

Quando você olha para dentro e descobre que você não é nada, isso é sabedoria. Quando você olha para dentro e descobre que você é tudo, isso é amor.

Sri Nisargadatta Maharaj

✨ Indicações Sinceras se estiver passando por um luto:

📲 Projeto Acolher Perdas e Lutos - Instagram da querida Rosana de Rosa. Organização sem fins lucrativos que acolhe o luto através de grupos online.
🎥 Meu último programa sobre Dor x Sofrimento, na Rádio Vibe Mundial
📚 Masterclass As Três Leis Sistêmicas - uma aula completa sobre as 03 leis que regem nossas vidas que, se compreendidas, podem tornar nossas relações mais leves. Nela, tem meu Ebook com as Frases Sistêmicas de Cura, que uso nos momentos mais desafiadores.

Newsletters de quem admiro:

Alquimia da Mente do meu mentor Henrique Carvalho

Bruxa Cientista da minha amiga e astróloga Fabi Ormerod

Copy Letter do querido Lucas, um copywriter sensacional

Na próxima edição #007

  • Na próxima edição vou falar sobre Como Descobrir os seus Dons e Talentos

Sua opinião é muito importante para melhorar a Newsletter. Aguardo seu feedback por email ou no meu direct do Instagram.

📩 Sobre a Newsletter Laboratório do Ser

✍️ Escrita por Andrea Felicio compartilhando experiências pessoais ao redor dos temas: Mentalidade, Mulheres e Marketing.

🐝 Newsletter configurada e enviada pela incrível plataforma BeeHiiv.